“Pegamos dois!”, grita uma criança com cerca de seus 10 anos de idade, enquanto corre com um saquinho de doce em cada uma das mãos, em frente à Paróquia São Cosme e São Damião, no bairro do Andaraí, zona norte do Rio de Janeiro. A alegria dela é parecida com as dezenas – quiçá centenas – de crianças que se aglomeram à espera de pessoas que se propõem a distribuir doces neste 27 de setembro.
A tradição que marca o dia dos santos gêmeos une crianças, responsáveis e doadores, muitos deles em demonstração de fé e agradecimento. Mas em vez de mera distribuição de doces, se tornou também uma ação social, com a distribuição de alimentos, roupas e itens de higiene pessoal.
O motorista Alan Melo saiu de Campo Grande, na zona oeste, bairro que fica a 1 hora 30 minutos de carro do Andaraí, para distribuir, além de doces, caixas de leite longa vida e brinquedos. Com os braços marcados pelo peso das caixas, ele explica que a ação familiar é uma forma de agradecimento pela saúde do filho Miguel, de 11 anos, que o acompanhou na manhã de distribuição.
“O leite é uma forma de ajudar. Não tem como a gente ajudar todo mundo, mas olha quantas crianças necessitadas você vê aqui na rua”, aponta para a criançada na rua que é um dos acessos ao Morro do Andaraí.
“É uma tradição que a gente leva há anos pela fé e devoção a Cosme e Damião. É uma energia maravilhosa”, disse Alan, que também distribui cestas básicas em outra parte da cidade.
A dona de casa Rosa Lopes estava acompanhando seis crianças, sendo duas netas dela e quatro de famílias vizinhas. Ela disse que as crianças receberam de Alan leite, biscoito e macarrão instantâneo.
“Muita gente precisa, muita criança que está aqui precisa”, disse à Agência Brasil a moradora da região.
A empresária Perla Peçanha também vai além da doação de doces. Ela faz pacotes diferentes para meninos e meninas e oferece roupas e brinquedos.
Há 10 anos ela faz a ação, em cumprimento de promessa para São Cosme e São Damião, para ser mãe. “Ser mãe já sou há 3 anos, mas para que eles me abençoem e para eu ter uma futura gestação tranquila e feliz”, explica.
Outras regiões brasileiras também mantém a tradição de distribuir agrados em 27 de setembro, como na Bahia, onde é oferecido o caruru, um prato típico.
A celebração dos santos católicos – homenagem cristã a dois irmãos médicos que realizavam curas por volta do ano 300 depois de Cristo (d.C) na Ásia Menor, em algum lugar entre os atuais territórios da Síria e Turquia – ganhou imensa popularidade no Brasil por causa do sincretismo religioso.
À época da escravidão, negros não eram livres para cultuar as suas divindades. Eles tinham que as associar com alguns santos católicos para não serem perseguidos. No caso de São Cosme e São Damião, foi feita a ligação aos gêmeos Ibejis, orixás crianças.
Com o passar dos séculos, as religiões de matriz afro não precisam mais esconder a adoração de suas entidades. Mais que isso, podem assumir protagonismos em celebrações como a de Cosme e Damião.
Em Vila Isabel, bairro vizinho ao Andaraí, o Terreiro de Umbanda São Cosme e São Damião já se acostumou a ter fila de crianças na porta todos os dias 27 de setembro.
“A gente sempre tem uma fila enorme”, se orgulha a dirigente espiritual do terreiro Ana Carolina Oliveira.
“A gente cultua vários santos que vieram da Igreja Católica dentro da umbanda. Nós temos o nosso sincretismo realmente ligado à Igreja Católica. São Cosme e São Damião é quando a gente cuida das crianças dentro do terreiro”, explica.
De acordo com Ana Carolina, a data, no terreiro, é uma festa que recebe a visita dos erês, espíritos de crianças. “Tem muito refrigerante, tem muita alegria também. A gente acredita muito nesse poder através da cura, da alegria, no trabalho e na felicidade”.
A casa religiosa também aderiu à iniciativa de, além dos doces, fazer ações sociais, como a entrega de kits de higiene com sabonete, escova e pasta de dente.
“Tudo que a gente faz aqui, a gente procura sempre ter um lado social atrelado também”, disse Ana Carolina.
A dirigente informou ainda que, em outubro, a casa religiosa promove festa para pessoas em situação de rua.
“Para poder sempre atrelar esse lado social, não ser só a questão da religião, a gente também quer devolver à sociedade um pouco dessa energia e dessa bondade que a gente recebe da espiritualidade”, disse.
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